3 de dez. de 2008

Fim.

Seria mais fácil fechar os olhos para não ver você sair. Mas quem disse que seria fácil? Quem foi que me disse que eu poderia fechar os olhos e seguir? Quem foi?
A partida tem o tom da partilha, leva o que é seu. Será pior quando eu acordar e logo ver sua roupa pelo chão, como sempre ficava; ainda por que é bem possível que eu mesma abra seu armário quando você não estiver, pegue sua camiseta branca, sua cueca e jogue no chão, só pra ter sensação de ver suas roupas desvendando nosso amor, que já não existe.
O pior é me iludir, me enganar.
Por que será que a vida caminha diferente para nós dois, se o caminho da vida é a morte e com certeza você também morrerá?
Já não importa. A vida seguirá seu caminho inexorável até o fim e no fim não se sabe pra onde ir.
Você me disse que eu não sigo, que não caminho, que não faço, que não projeto, mas na verdade não se é de planejar o viver e você sempre soube: viver é de levantar e de cair; tropeçar e re-erguer. De sorrir. De morrer.
Vou fechar os olhos e não ver você sair. De mim.

28 de ago. de 2008

Sr. António.

Mas um dia frio de agosto começa com o despertador tocando a hora de levantar. Hora de tomar banho, arrumar o ralo cabelo e pegar a mochilinha. Hora de ir para escola. Todos os dias são assim. E interessante pensar que ele ainda lembra do primeiro dia, do medo e da vontade de fugir toda hora, cada vez que o vento abria a porta da sala.
A caminhada até a escola ñ era curta e ele fazia sozinho uma parte, mas quando mais próximo, encontrava alguns coleguinhas e iam saltitando.
Sentaram cada qual em sua carteira e todos estavam estranhando a ausencia do professor. Por que ele ainda ñ chegou?
Mas, claro, que o silencio da dúvida durou só o tempo de algum moleque perceber que era a hora exata de começar uma guerra de papel amassado. Na escola, tudo vira diversão e todos riem.
Não todos. O garoto que vimos acordar está sentado, parado. Olha a bagunça e não entende bem o que se passa. Vocês não estão vendo? O professor não está aqui! Não está aqui!
O silencio desse garoto começou a invadir a bagunça de todo o grupo e rapidamente todos entederam que aquela situação não poderia estar certa. Pelo o olhar de cada criança era possível ver a interrogação assustadora, cheia de temor do mundo. Passados alguns segundos desde o silêncio geral, aquela criança que começara a confusão de papel já chorava. Um clima de dor estendeu-se no ar.
Estavam sozinhos na sala de aula. A lousa estava completamente em branco... de repente já ñ se viam mais como amigos e as diferenças e entre cada uma das crianças pareceu maior. No meio do silencio, se entreolhavam. Aquela sensação de união sumira e já não eram mais uma turma, e sim crianças diferentes enfiadas num quadrado. Cada um se sentiu só. Da sua forma, sozinhos.
Entra então uma senhora que as crianças nunca haviam visto e isso temorizou mais ainda nosso coleguinha do começo da estória, afinal, ele não se sentia bem diante de mulheres, com excessão de sua mamãe, mulheres eram misteriosas e pintavam a boca para chamar a atenção (e isso não faz sentido algum!). Essa mulher de boca vermelha entra na sala com os olhos vermelhos.
Os meninos se levantam em reverencia. Ela os perimite sentar. Os meninos olham com vivacidade. Ela chora. Algumas crianças choram. Não se entende nada.
Ela abre a boca e tenta dizer. Não consegue. Tenta de novo, não consegue. Então, nosso pequeno rapaz se levanta e pergunta: mas onde está o sr. António? Ela cala. Ele diz: Ele se foi? Ela chora. Ele entendeu. Ela diz que hoje não haverá aula. Ninguém comemora, ninguém sorri.
Nosso menininho sai correndo da sala. Corre e pula. Quer alcançar o sr. António, quer aulas de matemática, quer aprender a voar.

25 de jul. de 2008

frustrante.

É horrível sentir-se frustrado. É o pior sentimento do mundo. E pode tentar descontar no namorado, na mãe, no cachorro, que não adianta. Frustração com a gente mesmo. De dentro para dentro.
Uma tarefa não realizada como se esperava já é motivo para a frustração. Não importa que digam que ficou bom, que você foi bem, que gostaram ou até se admiraram, pois a auto-admiração é fundamental para evitar a frustração. E, claro, auto-admiração você não encontra nos links desse blog (creio que nem de qualquer outro). Mas, se nos sentimos assim, por que somos tão rígidos conosco?
As pessoas criam sempre expectativas. Num relacionamento paternal, as dos filhos acabam por volta dos 13 anos. Num namoro, elas podem ser letais. E as expectativas que criamos em cima de nós mesmos, e que nos levam prum alto grau de frustração, não são diferentes. Logo, só há uma forma de não sentir-se tão frustrado: não criar expectativas, ou, em outra palavra, despretensão.
A despretensão pode salvar o mundo!
Faz pouquíssimo tempo que meu pai me disse que num relacionamento se deve fazer coisas sem esperar nada em troca. E, apesar de já ter passado dos 13, eu concordei. Quando se faz algo sem desejar recompensa, há despretensão, paz. E em um relacionamento me-myself-and-I isso é fundamental. Cantar pelo prazer de cantar, ler pelo prazer de ler, escrever pelo prazer de escrever. Satisfação em se fazer e não em ser, no ato e não nos louros.
Não sei bem, mas talvez isso faça de nós pessoas mais realizadas e menos realizadoras.

É perfeitamente razoável querer dançar melhor ou ter uma aparência melhor – quando você começar a perder o prazer se outros dançarem melhor que você ou tiverem uma melhor aparência, então você está indo na direção errada.
C.S. Lewis.
(http://solomon1.com/a/?p=92)




esse não é um texto de auto-ajuda. eu juro!
=)

24 de jul. de 2008

Calma.

Todos os dias, no mesmo lugar, as árvores olham todo o dia passar. Numa ilha entre duas mãos de uma avenida, as árvores ficam altas e imóveis. Essa paz julga constantemente a correria dos carros, de um lado e do outro, passando velozes, atravessando cruzamentos, lutando contra o tempo. As árvores não lutam contra o tempo. Elas o aceitam e o acolhem dentro de seus troncos que, a cada tempo, ficam mais grossos, fortes e sustentados.
Motos, carros e caminhões se apressam enquanto no alto poucas folhas se mexem, e se se mexem, é por que dançam conforme o vento. Não o ventinho criado por carros velozes, mas o vento de verdade, aquele que já não se conhece o cheiro.
Mas esse texto não tem mais motivo de ser, pois eu soube que o prefeito retirará essa ilha de árvores para fazer mais uma psita na avenida.
Não há lugar para calmaria nessa cidade.

17 de jul. de 2008

palavra.

queria falar sobre essa noite bonita e quente, mas ñ conheço as palavras para dizer.
não conheço palavras o suficiente para o que sinto. logo, não sei o que sinto, posto que só se conhece o que já
tem palavra pra significar. signicado.
eu via os casais caminhando abraçados dentro da noite paulistana. não era uma noite calma, mas casais acham paz
pra se abraçar até em são paulo. eu via o sinal ficando vermelho, amarelo, verde e vermelho. eu via meu cigarro queimando no
cinzeiro a fumaça que voava e aí eu já não via mais.
eu via os copos passarem pela mesa vermelha do bar. diante da minha cadeira. e passavam as garrafas, uma após a outra. o
pensamento só se elevava aos poucos.
sozinha é mais fácil de pensar, de entender. no coletivo se tem um conto. sozinho se faz poesia. ou até de casal, mas nesse
caso também se é sozinho. sozinhos.
eu gosto de estar perto da onde se tem arte. eu via as pessoas saindo do cinema e me interessa muito os rostos após um filme.
têm pessoas que ficam por esquinas a finco divagando com os amigos sobre aquele filme. têm os pares que saem mais juntos
ou mais separados - as vezes a arte mostra o que não se quer ver, não é fácil se ver numa tela. tem gente que entra sozinho e sai acompanhado e tem gente que vai sozinho e volta sozinho. ri aberto ou amarelo sozinho.
não conheço palavras que me digam o que eu sinto assim, sozinha. a completude da solidão é o silencio demais - que nessa cidade
é sempre de menos - mas mesmo assim é silencio.
quem sabe se a palavra que eu procuro não é meu nome?
eu não busco por abstrações, busco por palavras. não me importo se não as posso tocar ou manipular. não ligo se para mim elas não
se dão. palavra não é abstração. palavra não é poder. palavra é o que não vem.
mas então, por que agora, diante de tanta vida exterior, diante da minha cerveja, do meu cigarro... por que agora a palavra não sai?
o papel permanece em branco, minhas artérias pulsando dilatadas mas não há barulho em mim!
a palavra me diz que ela é poesia por que é o silencio. o sozinho. os meus nomes que não digo a ninguém.

25 de mar. de 2008

Diante da tela em branco, pensamentos multi-coloridas.
Cores que não vão definir-se, não vão entregar-se.
Não vão ceder e virar coisa. Cor é cor. Coisa é coisa.
Cores que são cores e não pedaços em uma tabela de cores.
Cores que colorem o que se falta saber. Cores que não pintam precisão (e nem por precisão). Cores que pintam o porquê e o talvez.
Porque cores, cores são. Isso eu sei e já entendi. Mas e a vida? O que é? E amar? É viver? É calar? É engolir a seco o sangue (que deve ser vermelho) que queima na garganta? Já ouvi alguém dizer que um bom amor é de fazer gritar. Eu calo. Não compreendo, mas não sei amar de outro jeito. Eu calo. E cores vem até mim e pintam um cenário de cinzas indizíveis e inimagináveis (não tentem imaginar!). E quando o amor vira cor? Sei de quando o amor não é mais dor, mas é cerveja no bar. Sei que é pior quando o amor vira risada de botequim, alegria de festim.
Chamadas ignoradas, noites inacabadas, filmes chorados na última solitária poltrona do cinema. O cinza começa a esbranquiçar e já não se diz mais "amor".
Se fala de sexo e ele muito se faz. Se fala de amizade e muitas risadas se dá... mas as cores multienloquecidas já foram e ninguém quis voltar para pintar o espaço que faltou nesse quadro. E o espaço toma vida e domina. Cresce, e cobre até o cinza.
Não há falta, não há dor. Mas... sabe aquela sensação, justamente aquela sensação da cor branca, fica. A cor branca, que é a união de todas as cores, que significaria aquela alva limpeza, que pareceria dar nova chance... dessa vez desbota a graça, e fica o vazio, a mistura de todas as cores, de quem quis tudo e teve o branco.

11 de mar. de 2008

Como pedra branca no fundo do poço
dentro de mim está uma memória.
Nem quero afastá-la, nem posso:
é sofrimento e é prazer e glória.

Anna Akhmátova
Trancafiada no quarto nas primeiras horas da manhã, ela pensa. Pensa na noite boa que teve, no dia ocupado que terá. Nas noticias do jornal, nas reuniões de departamento, nas conversas nos corredores. Tudo trivial, mas tudo seu.
Tem coisa que irrita! Claro que irrita, mas melhor nem pensar agora. São só 6 horas da manhã.
Um banho quente, uma roupa que represente o papel de hoje, uma maquiagem que tranborde a segurança pressuposta em uma mulher como ela é. Sapatos firmes pisando o chão. Atravessa passo a passo o pequeno quarto, pega as chaves e um iogurte na cozinha, sai pela porta da sala. Tranca a porta. É a sua casa, e isso sempre lhe fora essencial.
Vai de carro à Universidade, confere se as aulas certas estão em sua pasta, muitos alunos esperam por suas palavras e experiências.
Saiu de casa cedo para evitar atrasos. A verdade é que uma mulher jamais deve chegar atrasada, por que sempre existe um colega para brincar, dizer que foi culpa da maquiagem... Ela não gosta desse tipo de graça em seu trabalho: trabalha a vida toda com seriedade e maturidade, pensa que tem uma bandeira machista a fazer cair todos os dias. E todos os dias enfia seu salto agulha nas impressões erradas. Sua modernidade, sua facilidade de ver a vida e sua solidão sempre compuseram seu estilo de ser. Sua dedicação e trabalho árduo sempre foram referência na Universidade e em todos os lugares onde ministrava aulas. Sua formalidade e competencia sempre impressionava, aliadas a sua beleza já crescida. Não era uma garota, beirava os 30. Podia dizer-se mulher.
E hoje, como sempre, saiu cedo de casa para evitar atrasos, mas o trânsito intrasitável de São Paulo não permitiu que a Av. Dr. Arnaldo fosse atravessada como devia e o relógio não a esperou. Já havia se passado 20 minutos do início de sua aula e ela não estava sequer perto de chegar. Pegou seu celular (que anda tão esquecido dentro da bolsa) e ligou para a coordenação. Não chegarei a tempo... acho que não chegarei hoje; passem exercícios de tradução aos alunos do 2 ano e de leitura aos do 3o; não contem comigo hoje... passem notícias por e-mail.
De repente sua manhã estava livre. Que estranho, no carro sem ter para onde ir. Poderia voltar pra sua casa, mas logo lembrou-se das provas por corrigir e, pela primeira vez, decidiu que não iria trabalhar hoje. Não iria ler ou escrever. Não ia ver filmes ou conversar com quem tivesse algo a lhe acrescentar. Hoje queria diminuir.
Fez o primeiro retorno que viu e seguiu placas para um lugar que não conhecia. Ao se perder, completamente, parou em uma padaria. Desceu de chinelos do carro (afinal, uma mulher prevenida sempre tem uma alternativa ao salto alto ao dirigir). Parou no balcão, pediu um pingado, um pão na chapa e sentiu-se em casa. Enquanto sorvia o quente café e esperava um pão molhado de mantega pôs- se a parar de ser quem era.
Respirava funda e longamente como se esticasse seus pés na areia da praia. Pensava na praia, nas vezes em que, criança, ia nadar com os primos. Nas vezes que, já crescida, ia aos luais no Guarujá. Lembrou-se dos amigos do colégio e foi sentindo emoções voltarem. Sabia que era perigoso, sabia que emoções contidas a anos, quando voltam, voltam grandes. Desviou o olhar para a tv do estabelecimento. Seus olhos cruzaram com um casal. Imediantamente olhou para baixo e deparou com as mãos apoiadas em seu colo: não havia nelas qualquer anel, ou sinal de anel, não havia pra elas qualquer companhia que não fosse feita de papel e imediatamente sentiu-se só. Uma solidão profunda como sentiu há anos e há anos a evitava. Sentiu dentro de si uma memória. Uma história que virava várias e se fazia e desfazia em laços e se formava em outros. Uma confusão, sua vida.
E então sentiu gozo em lembrar. Lembrou do namorado do colégial, das primeiras brincadeiras perigosas e da forma como se lançou nova de mais num coração que não lhe pertencia, um coração que pertencia à juventude, à imaturidade. Lágrimas lhe escorreram ao lembrar da dolorosa separação. Mas logo outras lembranças surgiram, outros encontros romanticos, almoços em família (nossa, por onde andarão minhas irmãs?), dias com amigas no shopping e coisas de menina-moça. Lembrou-se da tensão do primeiro ano de faculdade e logo lembrou-se do primeiro ano no colégio. Roupas e filmes coloriram seu passado. Havia tanta dor nas memórias... mas nunca sentira-se tão plena. Viu-se recebendo flores e gritando na rua. Lembrou-se de como era tempestuosa e como, sem saber bem, domou-se de vez. Sentiu-se ornada pelo passado, como uma coroa, mas de espinhos. Dor e glória de ser alguém além de professora. Viu-se além do que suas conquistas profissionais lhe mostravam. Viu-se mulher e sentiu prazer. E sentiu solidão e sentiu que queria amar. O padeiro, o rapaz com aquela moça, o homem que acabou de entrar na padaria: precisava amar. Possui e ser possuida. Seus instintos selvagens e retrógrados voltaram. Desejou um lar e saber cozinhar.
Comeu o pão. Bebeu o café com leite. Novamente respirou com profundidade e esticou os pés, dessa vez no chão da padaria. Voltou a si. Mas diferente. Como uma viagem feita pelo mundo, voltou-se refeita da viagem interior. Conheceu-se como nunca, deu-se tempo para si. Voltou para casa.
Lá chegando, procurou antigas fotos, encheu porta-retratos. Fotos velhas e novas, gente viva e morta, amores antigos e inimigos. E, agora sim, ao acordar a cada dia, terá motivos para levantar, para pensar e agradecer. Agora sim ela sabe o que é ser rainha de si.